OS CONTATOS INICIAIS COM O AMIGO DICIONÁRIO

Entender a organização e o funcionamento desse material, assim como aprender a encontrar nele o significado das palavras, é importante desde o início da escolaridade

 Que dicionário usar nas séries iniciais?


A professora Regina Coeli do Couto
divide os alunos do 3º ano em
duplas para que compartilhem
suas impressões e ideias. Foto: Marina Piedade
A professora Regina Coeli do Couto divide os alunos do 3º ano em duplas para que compartilhem suas impressões e ideias
Os dicionários didáticos indicados para os anos iniciais do Ensino Fundamental possuem características específicas para essa faixa etária. A quantidade de palavras aumenta gradativamente de um livro para outro e alguns contam com elementos auxiliares como letras grandes e ilustrações. Desde 2006, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) distribui kits a todas as escolas públicas registradas no Censo Escolar com diversos tipos de dicionário. Destinados às atividades em sala de aula, eles devem ficar em locais de fácil acesso aos estudantes. E o ideal é que o contato comece pelos modelos ilustrados e evolua para os tradicionais.
Durante a alfabetização, o objetivo principal é que os alunos se familiarizem com o livro e o vejam como um recurso a ser consultado sempre. Para isso, os primeiros passos são entender a organização dos verbetes e aprender que as palavras estão ali na ordem alfabética. Para ajudar nessas tarefas, as publicações voltadas para os mais novos reproduzem o alfabeto nas bordas das páginas. Assim, fica mais fácil identificar em que posição está a letra que inicia o termo buscado.
Outras peculiaridades precisam ser compreendidas pelos estudantes: os substantivos de dois gêneros aparecem somente no masculino e todos os termos são apresentados no singular. A apostila Dicionários em Sala de Aula, lançada pelo MEC, indica várias outras atividades para a sequência de aulas, com temas como homônimos e sinônimos. O trabalho em duplas é uma orientação recorrente por favorecer a troca de percepções e de ideias sobre os significados. Na sala de aula, Regina adota essa premissa e sente a evolução da turma. Aos poucos, o vocabulário aumenta e eles passam a ter mais apreço pela leitura. "Eles trazem de casa palavras que encontraram em gibis e começam a recomendar obras lidas para os colegas", relata.

INCLUSÃO: ATIVIDADES COM LETRAS MÓVEIS

Os professores Cristiano Alcantara e Regina Coeli do Couto, da EMEF Duque de Caxias, em São Paulo, ficam atentos para garantir que um dos alunos do 3º ano, que tem deficiência intelectual, também aprenda a usar o dicionário. "Desenvolvo com ele o mesmo conteúdo abordado com os demais, mas de uma maneira diferente", afirma Regina. "O trabalho é mais individualizado, mas está sempre dentro do contexto da sala." 
A atitude da professora é aprovada por Ângela Lessa, especialista em Educação Inclusiva e Linguagem. "O mais importante é o aluno participar das atividades com toda a turma. Se a aula é com o dicionário, o professor também deve dar um ao estudante com deficiência, para que ele manuseie", diz. 
A professora utiliza letras avulsas grandes para que o garoto compreenda a escrita das mesmas palavras que os outros procuram durante a atividade. Ajudado por ela, ele compara o que está escrito em letras móveis com as palavras grafadas no quadro. Depois, manuseia o dicionário ilustrado. 
No livro, o aluno faz a associação de gravuras com as palavras. Outras alternativas são possíveis dependendo do tipo de deficiência intelectual. Há casos em que a criança presta atenção apenas em temas específicos. Sabendo quais são, é possível direcionar as atividades em sala para eles. "O professor pode eleger palavras de um campo temático e trabalhar com elas aspectos como o sentido e a ordem alfabética", sugere Egon Rangel, da PUC-SP.
 
Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/fundamental-1/contatos-iniciais-amigo-dicionario-678509.shtml?page=1 

ESTRATÉGIAS PARA O TRABALHO COM PESQUISA NA ESCOLA



É importante que o professor saiba propor o tema de investigação, roteirize a atividade, distribua papéis entre os alunos e os ajude a socializar o conhecimento produzido. O desenvolvimento de um filme ou Webquest pode ajudá-lo a elaborar estas etapas.
Discutimos, no último post, as dificuldades que alunos e professores normalmente enfrentam ao trabalharem com pesquisa na escola – e sobre como muitas vezes a atividade é passada como lição de casa sem que os educandos extraiam algum aprendizado dela.
Como combinado naquele texto, hoje vou dar continuidade à reflexão, pensando em possibilidades de trabalho que de alguma forma contribuam para que os alunos deixem de simplesmente copiar textos da internet – e que, pelo contrário, aprendam a se apropriarem e a transformarem as informações pesquisadas. Mas antes de entregar o prometido, quero ainda apontar alguns aspectos importantes. Vamos a eles:
·                    Proposta de pesquisa: de que maneira nos preocupamos em “engajar” os alunos com o tema apresentado? É muito importante que eles percebam que precisam aprender algo novo, que devem responder a uma questão sem resposta pronta em sites ou livros (digitais ou não). E que precisam trazer uma abordagem diferente daquela já existente nos materiais encontrados por aí – por isso, é preciso discutir que o trabalho realmente deve ser inédito!
·                    Roteiro: toda pesquisa precisa ter um roteiro, em que são descritas as questões a serem investigadas, as fontes que poderão ser utilizadas e suas etapas de trabalho. É importante lembrar que as fontes não são apenas os livros e a internet, mas também há informações em revistas, vídeos, folhetos e até mesmo com as pessoas, que podem ser entrevistadas.
·                    Distribuição de papéis diferenciados no grupo: nem sempre é necessário que todos os alunos pesquisem a respeito do mesmo tema e se responsabilizem pelas mesmas etapas no trabalho. Em uma pesquisa, os integrantes do grupo podem pesquisar aspectos diferentes ou se dividirem em abordagens diferenciadas. Quando diferentes tarefas são propostas, os alunos veem mais relevância no que estão fazendo e se interessam mais pelo trabalho dos demais.
·                    Socialização da pesquisa: a produção que os alunos apresentarão não precisa ser sempre naquele formato de “trabalho escolar”. A entrega formal pode ser em folhas impressas, formato convencional, mas a forma de apresentação para a comunidade da escola ou mesmo para estudantes de outras localidades precisa ser significativa – pode ser feita por meio de folder, história em quadrinhos, vídeo, programa de rádio para a web, animação, apresentação de teatro, fantoches e outras estratégias que despertem também o interesse de quem vai conhecer o trabalho realizado.
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Para engajar os alunos no processo de pesquisa, o professor pode elaborar um roteiro significativo e utilizar metáforas que os aproximem da atividade. Um exemplo é brincar de “faz de conta”: imagine que os estudantes vão pesquisar a respeito da história de um bairro. O professor pode propor a eles que produzam um documentário sobre fatos importantes da região a partir da consulta a diferentes fontes, incluindo o depoimento de antigos moradores – que podem ser entrevistados para o documentário ou terem seus papéis representados pela turma.
Na mesma linha, as Webquests também costumam ser bem-sucedidas (relato algumas neste vídeo disponível no Portal do Professor). Geralmente construídas por educadores, as Webquests são roteiros de pesquisa orientada em que se apresentam questões para investigação, de modo que todas as informações, ou ao menos parte delas, possam ser encontradas na internet (no Google há vários exemplos). Elas são uma forma interessante de conhecer a metodologia e quem sabe adequar ou construir novos roteiros.
Para além destas sugestões, cada professor pode e deve desenvolver o seu método. Independentemente do meio, o mais importante é que o exercício possibilite a transformação das informações em conhecimento, de forma significativa e relevante – aprendizagem esta até mais importante do que as próprias questões a serem investigadas.

Fonte:http://blog.aticascipione.com.br/eu-amo-educar/estrategias-para-o-trabalho-com-pesquisa-na-escola#comments

TRABALHAR COM PESQUISA NA ESCOLA


O que esperamos dos alunos quando passamos uma pesquisa como lição de casa? Se ela for uma simples tarefa a ser apresentada ao professor, eles acabarão por tratá-la como mais um encargo escolar.
Não é de hoje que percebemos a dificuldade de envolver os alunos em atividades de pesquisa. Na minha época de escola, era comum que os professores pedissem trabalhos sobre um determinado tema – em geral, bem amplo como “folclore” ou descobrimento do Brasil – e que nós, alunos, buscássemos o maior número de informações possíveis em enciclopédias ou livros didáticos. Copiávamos o conteúdo e entregávamos tudo ao professor, caprichando bastante na capa para impressioná-lo um pouco mais.
Não me lembro de algum professor ter questionado se aprendi algo, ou perguntado se o que escrevi viera da minha cabeça ou fora copiado. Mas não me lembrar destas coisas, após tanto tempo, nem é tão significativo. O pior é não lembrar de algo que eu tenha aprendido em alguns desses trabalhos…
Hoje, os professores reclamam que os alunos copiam tudo da internet. Alguns ainda levam as páginas impressas dos sites, talvez por não dominarem o CTRL + C (comando que permite copiar) e o CTRL + V (comando para colar textos já copiados), ou por não conseguirem realmente compreender o sentido das “pesquisas” solicitadas. Ocorre, porém, que quando o professor pede uma “pesquisa” genérica ele geralmente parece estar solicitando uma “busca” de informações. E, neste caso, fazer a seleção de sites ou cópia de trechos atenderia o objetivo.
Pesquisar é algo complexo, que precisa ser orientado. Envolve inicialmente ter uma pergunta, um questionamento, algo que precisa ser descoberto a partir da atividade de pesquisa. Envolve busca de informações e estratégias para localizá-las em diferentes mídias – afinal, a pesquisa não se dá apenas em livros, ou somente na internet, ou apenas em sites renomados da rede. As informações podem estar em vídeos, revistas novas, publicações antigas e até mesmo com as pessoas… Ou seja: dependendo do assunto, a informação pode estar na casa dos alunos habitando a memória de seus avós, por exemplo.
Para além do exercício de busca, o aluno deve saber avaliar e gerenciar as fontes de informação: selecionar o que é mais relevante, conseguir interpretar dados, avaliá-los criticamente, compará-los com outras fontes e compreendê-los.
Todos esses processos podem (e devem) ser depurados sem que percamos de vista duas questões essenciais: por que pesquisamos? O que vamos fazer com os resultados da atividade? Nem sempre é simples para os alunos entenderem o que nós, professores, queremos deles quando solicitamos uma pesquisa, principalmente quando esta deve ser feita em casa. (Os pais até se desdobram para ajudá-los, mas, muitas vezes, tampouco compreendem a proposta da tarefa. Devemos considerar ainda que em alguns casos nem o próprio educador entende exatamente o que propõe).
Quando a pesquisa é um mero trabalho a ser apresentado ao professor, os alunos acabam por tratá-la como mais uma atividade escolar. Mas, quando conseguimos engajá-los suficientemente para que percebam a importância do que estão aprendendo, aí sim eles se importam e aprendem mais, inclusive!
Por isso, sempre é importante propormos situações interessantes para o compartilhamento de suas descobertas, como a criação de um blog, de um programa de rádio, a elaboração de uma revista que vai ser distribuída na escola, a criação de um vídeo, entre muitas outras possibilidades.
Mas o vídeo, o blog e o programa de rádio não podem ser um material qualquer… Precisam ser criativos e colocarem como meta o compartilhamento do conhecimento gerado com um público que tenha significado para os alunos.
Para isso, é preciso que avaliem com criticidade todas estas mídias e compreendam de que forma podem fazer a diferença. Seminário, exercício no caderno e texto em papel almaço (como analisou Eduardo Chaves em seu último artigo para este blog) não são de todo trágicos, mas são o “mais do mesmo”, estratégias pouco motivadoras e nada desafiadoras para a geração de alunos que temos hoje. Além disso, não representam os verdadeiros desafios com os quais nossos alunos se depararão no decorrer da vida.
 
Fonte: http://blog.aticascipione.com.br/eu-amo-educar/trabalhar-com-pesquisa-na-escola

Monteiro Lobato: o pai do faz-de-conta nacional

O autor continua a se fazer ouvir em época de diversão eletrônica. Suas histórias são imperdíveis e o “lobatólogo” Vladimir Sacchetta explica o motivo

Educar
Foto: Benedito Junqueira Duarte
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"Monteiro Lobato era do tipo inquieto, alguém que tinha interesse por tudo", diz Vladimir Sacchetta
        Muito antes de se falar em ecologia, Monteiro Lobato chamava a atenção, em meados de 1910, denunciando as queimadas no interior paulista pelas páginas de um jornal. O autor de Reinações de Narizinho queria um Brasil forte, justo - e, ao longo da vida (1882-1948), defendeu a prospecção do petróleo, a implantação de medidas sanitaristas ou a causa que entendia necessária para o progresso do País. Conseguiu irritar governos e interesses estrangeiros, sendo preso mais de uma vez. Um polemista, em síntese.

       Lobato amava o Brasil - e amava demais as crianças. A ponto de ter produzido, com prosa fácil e imaginação ilimitada, dezenas de histórias ambientadas em um universo particular, o Sítio do Picapau Amarelo - é considerado o criador da literatura infanto-juvenil brasileira. "Lobato é o nosso La Fontaine, o pai do faz-de-conta nacional", define Vladimir Sacchetta que escreveu, ao lado de Carmen Lucia de Azevedo e Marcia Camargos, "Monteiro Lobato, Furacão na Botocúndia" - espécie de Bíblia sobre vida e obra do escritor nascido em Taubaté (SP). "Ser ‘lobatólogo’ é uma militância", admite. "E o Brasil tem de se orgulhar de Lobato."

        Vladimir Sacchetta desafia quem consiga encontrar uma criança que não esteja de algum modo familiarizada com a Emília, o Pedrinho, a Narizinho ou outro morador do sítio. "São personagens que já pertencem ao nosso imaginário infantil", diz. Também tem certeza de que o interesse da garotada por essas histórias continua incólume, mesmo em época dominada pela tecnologia. "Pode ocorrer certa dificuldade para entender palavras em desuso, mas até isso é importante porque estimula a consulta ao dicionário", comenta. Só demonstra impaciência, quando lembra que a obra de Lobato correu risco, meses atrás, de ser banida das escolas em razão do tratamento "preconceituoso" à raça negra que aparece em certos trechos. "É uma grande bobagem ler as má-criações que a Emília fazia com a Tia Nastácia, em histórias escritas na década de 30, com os olhos de hoje", alerta. "O educador não deve alterar, mas sim explicar para a criança que fazer isso é inadmissível nos dias atuais." Exatamente o que o Conselho Nacional de Educação recomendou ao encerrar a discussão: o uso do bom senso pelo professor em sala de aula, contextualizando o que há de polêmico na obra de Monteiro Lobato.
         A seguir, os destaques da entrevista de Vladimir Sacchetta.
 
 
Para ler, clique nos itens abaixo:

Por que é importante ler Monteiro Lobato?
Vladimir Sacchetta: Monteiro Lobato tem importância hoje e sempre, ele é o criador da literatura infanto-juvenil brasileira, o pai do faz-de-conta nacional. Até então você tinha traduções malfeitas - e com linguagem indigesta para a meninada - de histórias ambientadas na Europa e que nada tinham a ver com a brasilidade, com o nosso imaginário e folclore. Monteiro Lobato percebeu o problema, quando seus filhos estavam crescendo e não tinham nada para ler... E o que ele faz? Pega as lembranças do menino que cresceu no Vale do Paraíba, lembranças do que ouviu das suas amas de leite - Lobato nasceu em berço esplêndido, seu avô, Visconde de Tremembé, tinha grandes extensões de terra... -, ele pega tudo isso e quase aos 40 anos, em 1920, lança "A Menina do Narizinho Arrebitado", livro que dá partida para a saga do Sítio do Picapau Amarelo e seus personagens.
Mesmo no século 21, as histórias de Lobato continuam imperdíveis?
Vladimir Sacchetta: Claro, até porque alguns dos personagens de Monteiro Lobato fazem parte do imaginário infantil, qualquer criança já ouviu falar da Emília ou viu uma adaptação do Sítio para a TV... São histórias transmitidas do avô para o pai, dele para o filho e assim por diante. E não perdem o interesse para a garotada mesmo apresentando vocabulário pouco utilizado, afinal, até isso é importante, no meu entender, porque estimula a pesquisa no dicionário... Trata-se de uma literatura que, com a mediação do professor ou mesmo dos pais, pode se tornar algo muito rico - fazer uma criança entender, por exemplo, a diferença entre um Saci e uma bruxa do Halloween.
São 31 títulos infanto-juvenis, obra extensa... Por onde você sugere começar?
Vladimir Sacchetta: A reedição da obra completa de Monteiro Lobato, tanto a infantil quanto a adulta (composta de 25 títulos, por sinal), começou em 2007 e se encontra em fase final. Foi um modo de celebrar o 125º aniversário de nascimento do escritor pela Editora Globo - e também explorar esse negócio altamente viável. Se pudesse encaminhar uma sugestão de leitura inicial para as crianças, ela seria "Reinações de Narizinho", meninos incluídos. É o livro mais conhecido, com histórias que podem ser lidas em conjunto ou separado - o que até então, 1931, era inédito na nossa literatura.
Diz-se que Lobato tomava iniciativas ousadas sem pestanejar - lenda ou verdade?
Vladimir Sacchetta: Veja, Monteiro Lobato era do tipo inquieto, alguém que tinha interesse por tudo. Ao longo da vida foi uma espécie de marco zero em várias atividades - como, por exemplo, ter sido o precursor da literatura paradidática, hoje instrumento de educação dos mais utilizados. Lobato inventa esse estilo a partir das reclamações em carta que recebe das crianças - elas escreviam muito para ele que, por sua vez, dava muita atenção à correspondência, estimo que ele respondia de 30 a 40 cartas por dia! As crianças diziam que a gramática era chata, a aritmética, difícil, e então ele resolveu escrever vários livros ("Emilía no País da Gramática" e "A Aritmética da Emília", por exemplo) de forma a resolver essa "chatice escolar". A criançada também dava palpite nas histórias e ele estava aberto a todas as sugestões.
Monteiro Lobato escrevia rápido?
Vladimir Sacchetta: Sim, era um escrevinhador compulsivo - e também um leitor voraz. Conhecia todos os escritores importantes da literatura infanto-juvenil mundial, de Esopo e La Fontaine aos irmãos Grimm, Hans Christian Andersen e Lewis Carroll (aliás, Monteiro Lobato pertence a esse panteão de fabulistas, ele é o nosso La Fontaine!) Inglês, ele nunca falou direito, sempre manteve o sotaque caipira, mas foi tradutor da obra do americano Mark Twain; na verdade, ele dizia que não traduzia, mas sim fazia uma "ordenação literária" - o que fazia era mesmo copy desk no texto fosse de quem fosse (e era muito criticado por isso!), conseguindo transformar as personagens mais próximas de um Pedrinho dos trópicos do que dos meninos do Mississipi (caso da obra de Mark Twain). Fez isso até com Hemingway - era mesmo muito atrevido!
Que formação Monteiro Lobato teve?
Vladimir Sacchetta: Ele se formou em Direito por imposição do avô, freqüentando a escola do Largo do S. Francisco, na capital paulista. Depois, com a morte desse avô, herdou as terras dele, virou fazendeiro e quase morreu de tédio como promotor público em Areias, ao pé da Serra da Bocaina (SP). Mais tarde, se desfez das propriedades e, com o dinheiro da venda, comprou a Revista do Brasil - é quando nasce o Lobato editor. E, de novo, se mostra pioneiro da indústria editorial moderna ao criar um sistema de distribuição e venda, a mala direta e a consignação. Como o número de livrarias era mínimo naqueles anos 20, ele queria contar com mais pontos de venda por todo o País, afinal, para Lobato, livros poderiam ser vendidos no armarinho, na farmácia etc. Era capaz de pensar a literatura como um negócio, não era só fantasia, não.
E quando os livros de Lobato começam a ter grandes tiragens no Brasil da época?
Vladimir Sacchetta: Nos anos 40, os livros de Monteiro Lobato já acumulavam vendas de 1 milhão de exemplares sobretudo no Brasil - sim, porque ele também fez sucesso na Argentina, chegou a viver dois anos em Buenos Aires e era muito festejado pelas crianças de lá... Ele formou leitores desde 1920, claro, crianças que não tinham os brinquedos eletrônicos de hoje, nem TV, só rádio... Lobato entrou na minha vida quando criança, eu li todos os livros dele, meu pai sempre me estimulou muito a ler desde cedo - havia muito livro em casa. E hoje tem criança que vive em casa sem livro, o que é arrepiante! Acredito que o livro tem de viver harmoniosamente com todos esses botões, aparelhos e traquitanas eletrônicas. E aí entra o papel do educador para incentivar a garotada nesse sentido, aproximá-la dos livros.
Quais são as personagens principais do universo criado por Monteiro Lobato?
Vladimir Sacchetta: A Emilia, boneca costurada pela Tia Nastácia (a mãe dela, portanto) é o alter ego de Monteiro Lobato - e esteve presente em todos os momentos do escritor. Irreverente, faz o que lhe dá na veneta e é impossível não se apaixonar por ela. Já o Saci é personagem que Lobato conhecia desde o tempo que ouvia as negras da fazenda contando histórias... Um mito que nasce índio, depois é incorporado pelos negros africanos e que ainda vai sofrer influências dos imigrantes do século 19, quando põe na cabeça o barrete frígio. O Saci incorpora a identidade nacional, é muito bonito. Aliás, Lobato começou a se interessar em fazer do Saci personagem de livro depois de um passeio pelo Jardim da Luz, no centro de São Paulo. Era um dia de calor e ele reparou, no parque, nas esculturas de duendes - que país tropical era esse, ele se perguntava, capaz de usar aquele imagem tendo uma mitologia tão rica!
Há em tudo o que ele escreve e faz o amor pelo Brasil?
Vladimir Sacchetta: Ele tem um projeto nacionalista, do qual o Saci faz parte, que vai carregar por toda a vida. No Estado de S. Paulo, onde foi jornalista na década de 10, escreveu artigos propondo que os mitos brasileiros deveriam fazer parte do currículo escolar, veja só a grandeza do pensamento dele! Também defendeu o meio ambiente de modo inédito, ele dizia que o homem era o único ser capaz de destruir o ambiente onde vive... O primeiro artigo que o projeta na grande imprensa se chama "Uma Velha Praga" e fala sobre as queimadas no vale do Paraíba, tempo da fazenda que ele tinha por lá. Lobato enviou uma carta, indignado, ao Estadão - e ela foi publicada não na seção de Cartas, mas sim no corpo do jornal, isso, em 1914. Era o início de sua vida de jornalista.
Na biografia de Lobato, chama a atenção o fato de ter trabalhado em Nova York...
Vladimir Sacchetta: Lobato vai para os Estados Unidos em 1927, como adido comercial a serviço do consulado brasileiro em Nova York. Lá ele fica até o início de 1931 (com a Revolução de 30, é exonerado do cargo). É outro momento importante da vida dele, quando conhece o metrô, o cinema falado, o jazz, a indústria automobilística etc., acontece um nó na cabeça dele - e que só estimula as ideias que já tinha na cabeça, como a de que as bibliotecas deveriam ser interligadas por infovias, ou seja, o embrião da internet. No caso do porviroscópio, era uma máquina de prever o futuro, espécie de bola de cristal lobatiana que apareceu em "O Presidente Negro", livro para adultos que ele escreveu em duas semanas entre 1925 e 1926, no Rio. Lobato ainda não tinha ido aos EUA, mas anteviu a eleição disputada por um candidato negro e por uma mulher branca... Fantástico, não é?
Você tem orgulho de Monteiro Lobato, não é?
Vladimir Sacchetta: Eu adoro Monteiro Lobato, eu o chamo de ‘cidadão escritor’ - o país tem de se orgulhar de Lobato, com todas as contradições e os momentos infelizes de que são feitos os grandes homens... Acho uma grande bobagem ler as má-criações que a Emília fazia com a Tia Nastácia em livros escritos na década de 30 com os olhos de hoje. Não temos de alterar as expressões "racistas" da personagem, mas sim explicá-las para a criança, mostrar que hoje falar desse jeito é inadmissível, esse é o papel do educador. Caçar onça, por exemplo, é crime inafiançável - só que, em 1933, a situação era outra, por isso, as personagens do livro "Caçadas de Pedrinho" caçavam e matavam onça, claro. Aliás, como é que um escritor pode ser chamado de racista, se foi capaz de criar a Tia Nastácia, negra que carrega dentro de si toda a riqueza da nossa cultura popular? Ela é uma síntese de todas as negras que Lobato conheceu na infância, figura importantíssima do Sítio do Picapau Amarelo, espaço multicultural, onde todos convivem, independentemente das qualidades e dos defeitos de cada um.
Fonte: http://educarparacrescer.abril.com.br/leitura/monteiro-lobato-pai-faz-de-conta-nacional-637335.shtml